O Diabo e a escola
?Queiram ouvir esta história.
Um belo dia, deu o diabo uma saltada à terra, e verificou, não sem despeito, que ainda cá se encontravam homens que acreditassem no bem. Como não falta a Belzebú um fino espírito de observação, pouco tardou em se aperceber que essas criaturas apresentavam caracteres comuns: eram boas, e por isso acreditavam no bem; eram felizes, e por conseqüências boas; viviam tranqüilas, e por isso eram felizes. O diabo concluiu, do seu ponto de vista, que as coisas não iam bem, e que se tornava necessário modificar isto.
E disse consigo: 'A infância é o porvir da raça; comecemos, pois, pela infância.'
E apresentou-se perante os homens como enviado de Deus, como reformador da sociedade. 'Deus', disse Belzebú, 'exige a mortificação da carne, e é mister começar desde criança. A alegria é pecado. Rir é uma blasfemia. As crianças não devem conhecer alegrias nem risos. O amor de mãe é um perigo: afemina a alma dum rapaz; é preciso separar mãe e filho, para que coisa alguma se oponha à sua comunhão com Deus. Torna-se necessário que a juventude saiba que a vida é esforço. Façam-na trabalhar (...); encham-na de aborrecimento. Que seja banido tudo quanto possa despertar-lhe interesse: só é proveitoso o trabalho desinteressado; se nele se mistura prazer, está tudo perdido!'
Eis o que disse o diabo. A multidão, beijando a terra, exclamou:
- Queremos-nos salvar! Que devemos fazer?
- Criem a escola.? (...)
Adolphe Ferrière, 1928. Pedagogo e figura de destaque do movimento da Educação Nova
1 Bocas:
A escola que temos hoje não é, felizmente, a que tínhamos no início do séc. XX, em que as aulas eram constituidas por lições magistrais, baldes de informação mastigada que tinha que ser repetida à exaustão pelos alunos.
No entanto, a provocação ainda se mantém válida, pois a exigência sobre aquilo que a escola deve ser e sobretudo sobre o que a escola deve "produzir" e como deve actuar aumentou e continua a crescer de forma muito acentuada.
A "educação nova", que pretendia rever os métodos de "instrução", seria depois confrontada pela "escola moderna" que procurava re-escrever os papeis intrepretados pelos sujeitos da acção educativa, centrando os processos mais no aluno, enquanto criador do seu conhecimento e usufruindo das metodologias já testadas, com efeitos surpreendentes, diria, na "educação nova" de Ferrière.
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