O cóboi e a bota de Haditha
Nem a história da guerra do Iraque, nem a imagem que o mundo tem dos EUA (e eles, de si próprios) serão as mesmas, depois de Haditha.
Na manhã de 19 de Novembro de 2005, praticou-se um massacre, nesta pequena cidade cercada de palmeiras e debruçada às margens do Rio Eufrates. Depois de sofrerem uma baixa, causada por explosão de uma bomba, os soldados da Companhia Kilo, do US Marine Corps decidiram vingar-se contra a população civil.
Vinte e quatro pessoas foram assassinadas a sangue-frio.
Nenhuma delas esboçou qualquer gesto que pudesse representar ameaça aos marines. Entre as vítimas estão sete mulheres, três crianças, um bebé de um ano e um velho cego em cadeira de rodas. A vingança prolongou-se por cinco horas, o que exclui a hipótese (igualmente brutal) de um acesso de cólera, provocado pela morte do colega de armas.
Ao invés de punirem a selvajaria, os oficiais que comandavam os soldados decidiram encobrir o episódio.
Dois relatórios militares tratam as mortes como danos colaterais da guerra. Ao invés de esclarecer, o documento lança uma terrível pergunta: quantos episódios semelhantes terão sido abafados, no Iraque, ao serem classificados com tal rótulo, cada vez mais frequente no calão das guerras modernas.
Duas tendências também contemporâneas, a câmara digital barata e as redes de ONGs permitiram que, em Haditha, a história fosse diferente.
Um dia depois da chacina, o estudante de jornalismo Taher Thabet filmou alguns dos corpos e as quatro casas onde foram mortas 19 das vítimas. Thabet mostrou paredes internas, tetos e chão atingidos por balas e salpicados de sangue. O estudante teve o cuidado de filmar, também, as fachadas intactas das construções.
Demonstrou que não houvera combate: os soldados entraram sem resistência e atiraram.
O estudante enviou então o vídeo ao Grupo Hamurabi de Direitos Humanos, que tem sede no Iraque e se articula com outras ONGs internacionais.
Nos primeiros dias deste ano, o documento chegou à revista Time. Os repórteres Tim McGirk e Aparisim Ghosh foram ao local dos fatos e investigaram durante oito semanas.
Em 27 de Março de 2006, a revista Time publicou One morning in Haditha, um texto que, embora em tom ainda inconclusivo, revela todos os fatos essenciais do massacre.
Em 26 de Maio, o New York Times revelou que o inquérito aberto pelo Pentágono após a reportagem de Time estava próximo ao fim.
O coronel Gregory Watt, instrutor do inquérito, havia apurado que muitos dos mortos em Haditha morreram com tiros na cabeça e no peito. Também havia apontado o sargento Frank Wuterich como um dos protagonistas do massacre.
Esta informação foi tornada pública a 31 de Maio exactos 64 dias depois de os fatos serem difundidos pela primeira vez na Time.
No dia 1 de Junho, numa medida típica de relações públicas, o general George Casey, comandante-geral das tropas dos EUA no Iraque, anunciou (sem oferecer qualquer dado complementar) que os soldados norte-americanos seriam agora submetidos a instrução sobre valores essenciais.
No dia 2 de Junho, surgiram duas novas denúncias. Um outro massacre teria ocorrido, em Ishaqui (80 quilómetros a norte de Bagdad), em Março de 2006 e neste caso, parece haver imagens.
Num terceiro episódio, sete marines e um oficial são acusados de assassinato, sequestro e conspiração, cometidos em Abril.
O caso Haditha, além da questão dos direitos humanos levanta a questão da censura a que os media norte americanos estão sujeitos. As duas séries de fotos feitas após os assassinatos permanecem sob censura, acessíveis apenas ao Pentágono. A primeira série retrata os corpos dos iraquianos já ensacados. A segunda teria sido feita pelos próprios soldados, momentos após cometerem a chacina. Mostraria, por exemplo, um pai de família atingido enquanto rezava, diante do Corão.
Vamos esperar para ver a punição e o julgamento dos assassinos. Todos eles foram identificados, a crer no New York Times.
Os media e o publico norte americanos estarão atentos ao desenrolar desta macabra historia. Vamos ver como é que o presidente cóboi descalça a bota que lhe aperta o calcanhar.
Segundo as leis militares norte-americanas, pode aplicar-se, no caso de assassinato cometido em tempo de guerra, a própria pena de morte. O que neste caso não seria de todo descabida dada as dimensões do massacre e a tipologia das vitimas que inclui mulheres, velhos e crianças recem- nascidas.
Qual será a repercussão mediática (e política) deste julgamento, no qual cidadãos norte-americanos podem ser executados por actos cometidos numa guerra que o Estado quer levar adiante, mas a maioria já rejeita?
Em termos de politica internacional, também daqui pode vir algo interessante: Como prosseguir com o julgamento de Saddam Hussein, que pode ser condenado à morte precisamente porque seus soldados teriam promovido a execução de civis inocentes?
Vamos esperar para ver.
1 Bocas:
Global Mafia Sound System Comanda El Planeta - Bush=Fantoche dos Sionistas/Iluminatti.
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