Desde a infância que lhe conhecia nome.
Aqui há uns anos, um amigo comum, também do Barreiro e também atleta apresentou-me ao guarda-redes.

Fomos-nos cruzando, e apesar da nossa diferença de idades (o Bento tinha mais 24 anos que eu) sempre me tratou com o companheirismo e a familiaridade própria dos camarros.

Nos ultimo ano e meio estivemos juntos muitas vezes.
Quase diariamente.

Sempre que há sol, pego na bicicleta e ao final da tarde dou um volta ao Barreiro. Sempre junto ao rio.
O Bar do Bento é paragem obrigatória.
Nessa hora morta, em que os clientes não abundam, costumo parar a bicicleta na esplanada e ao balcão era habito partilhar umas imperiais e uns tremoços com o guarda-redes.

E conversávamos.
De cães, de historia local, de viagens, de desporto olimpico, de culinária, de peixe e sobretudo do rio.
Falávamos do Tejo. Desse rio quase mar que o Bento conhecia como poucos conhecem.
De futebol nunca falamos. Primeiro, porque eu sou um completo ignorante e segundo; imagino eu, porque o dono da esplanada estivesse farto de conversas de bola.

A ultima vez que falámos, aqui há umas semanas mas já este ano, o tema foi a recorrente caldeirada à fragateiro.
Disse-me que não lhe parecia mal o choco na caldeira, como fazem em Setúbal... A mim tal heresia arrepiou-me. Falou-me que até punha lambejinhas no fundo do tacho para não pegar...
Combinamos uma caldeirada lá no café para finais de Abril, inícios de Maio.


Na semana passada, à três da tarde, pela rádio desmarcaram-me a caldeirada.
Comecei a ouvir a noticia a meio. Na TSF falaram do desportista, do Benfica, do palmarés, dos jogos, das redes e mais o caraças. Só no fim da noticia é que percebi que estavam a falar do Bento.
Morreu ontem ao inicio da tarde aqui no hospital que se chama Senhora do Rosário. A Senhora do Rosário é uma espécie de Iemanjá da Margem Sul do Tejo. Santa padroeira dos marítimos, peixeiros, pescadores, fragateiros, guarda-redes e ciclistas em pausa para uma imperial.

Uma coisa é garantido: lá no paraíso para onde vão os homens bons, no próximo mês de Maio, que é quando o choco desova no Tejo, vai haver petisco e conversa animada. Tenho a certeza que aqueles que tiverem o ouvido mais apurado vão conseguir ouvir os copos vazios a bater no balcão e aquela gargalhada sonora do Bento. Fiquem atentos ao final da tarde nas prainhas sujas das margens sul do Tejo.