A morte do último dos políticos
Enquanto se assistia à vitória de Cavaco nas presidenciais, os boys do CDS, PSD e PS festejavam a morte política do último dos políticos.
Mário Soares, com todas as suas qualidades e defeitos era, depois da morte de Álvaro Cunhal, o último dos políticos, e a sua derrota marcou o fim de uma época.
Teve uma morte triste, Mário Soares, uma morte serôdia, em que pode ele próprio assistir ao seu funeral.
O modo patético, entre a senilidade e a ganância, com que se atirou a esta última campanha, empurrado pelos seus camaradas coveiros, impediram-no de usufruir de uma merecida retirada em estilo e graça.
Nem o seu filho foi capaz de, entre a herança de uma presidência e a lealaldade devida ao progenitor, escolher de forma acertada e honrada. Deixou-se levar mais uma vez pela miragem de glórias fáceis, de usufruto de glórias e favores obtidos pelo pai, para preferir um silêncio comprometido mas interassado.
João Soares apostou na sobrevivência política. Sobreviveria a seu pai com ou sem ele, aliado ao vencedor, fosse Soares ou Sócrates.
Goste-se ou não de Mário Soares, não se pode negar que a politica era o seu sangue e a sua vida, a sua carreira, entendida na antiga acepção da palavra.
Não era advogado nem economista nem gestor. Era político. E isso era algo quase imperdoável no sector em que se movia, quase porque a Soares tudo era perdoável. Tudo menos a ganância e os sonhos que tinha para o seu filho, isso a "New generation" PS não podia deixar passar incólume, porque não podia tolerar a perpetuação do clã Soares.
As antigas glórias de Soares tornaram-se os pecados de Soares, numa era em que a tecno-politica encontra nos valores económicos e de gestão as suas referências e nas memórias do 25 de Abril um capricho de velhos insanos e dementes.
O problema maior dos tecnocratas nem era o que Soares era, mas sim o que ele representava: uma ponte de aço entre um futuro liberal e um passado moral. Soares tinha construído um mito em torno de si próprio e os mitos e as lendas são coisas de sonhadores, idealistas, coisas a que a tecnocracia deve tratar como a inquisição fez às bruxas medievais.
O sonho e o ideal são o ópio do povo da tecnocracia, são os grãos de areia que empenam a engrenagem a liberal-política, em que os novos políticos funcionam para os partidos como os jogadores para os clubes e onde os donos dos passes são os grandes empresários. Ter sonhos, ideais e preocupações morais é carregar um peso morto que impede o progresso.
E com todo o repúdio que se pode sentir por esta liberal-tecnocracia, não se pode deixar de admirar os seus requintes de malvadez, quando depois de aqueles em quem confiava o empurrarem para a falésia este último ícone, enviam precisamente um poeta, para lhe passar a fatal rasteira. Provavelmente na esperança de assistirem a um abraço mortal que levasse ambos para o abismo.
A vala comum aberta pelos tecnocratas ostentaria uma placa dourada onde se leria: Aqui jazem juntos defuntos o último político e o último poeta, portadores do ideal e do sonho. Que jazam em paz e que os seus fantasmas não nos atormentem na construção do mercado livre.
A vitória de Cavaco foi um mal menor da vitória tecnocrata, um pequeno preço por um grande funeral. A sobrevivência do poeta parece ser um assunto mal resolvido...
A triste morte de Soares, do seu próprio mito, marcam o fim de uma era. Uma era de ideais, mitos e combates por aquilo em que se crê e por se se luta de forma incondicional. O que os tecnocratas não sabem é que os mitos sobrevivem à história e que os sonhos comandam a vida. Por isso desejam tanto a morte.
9 Bocas:
Indicaram-me o seu blog por causa deste texto. Os meus parabéns, que continue sempre com a acutilância e lucidez que demonstra aqui!
Se não for indiscrição, quem lhe fez tal sugestão???
De qualquer forma obrigado pela visita.
Um amigo do Riky Martin. Já acrescentei este blog aos meus favoritos :)
Amigo de meu amigo, meu amigo é.
Benvindo.
Atalaia, acho que estas a ser um optimista a dizer que o velho está morto... Acho que ainda é cedo para fazermos elogios fúnebres...Afinal o Soares ainda não foi fazer companhia ao seu grande amigo Savimbi.
Olha que o cabrão não está nada senil e continua a ser um tipo muito perigoso para a esquerda.
(Andas a trocar os logins outra vez!!!)
Pois eu acho que o Soares-político morreu mesmo. E apesar de não gostar do homem, o seu mito, a força que tomava junto das pessoas, pessoas de bem, era poderosa, como sabemos.
E apesar de não gostar do homem, também não gostei de assistir à forma como se aproveitaram dele, e como desmembraram essa aura, à boa moda liberal - confrontando com factos. Mas o que o Soares representou não se destroi assim e quem o fez não tem caracter para o fazer.
Neste caso, inimigo do meu inimigo não é meu amigo, pois para haver grandes combates, é preciso grandes combatentes, e o Soares, apesar de tudo soube sê-lo, estes pivetes não. Por isso, só por isso e por alguns que nele acreditaram, mais pelo mito que pelo homem, merecem esta "homenagem".
Hei-de voltar ao poeta, que estas rimas têm, creio que se lhe diga.
E sim, quis, não sei se consegui homenagear o "modo politico" e aqueles que nele acredita(ram) e que se viram confrontados com esta morte anunciada.
Quanto ao poeta, não quero adiantar muito, pois está demasiado fresco e a mexer, mas estou convencido que será devorado pelo "monstro" que alimentou.
A campanha deste senhor poderia ter-se chamado Crónica de uma Morte Anunciada; mas atenção, nem tudo o parece é.......
O facto é que o clã Soares outrora tão poderoso nos meandros socialistas,é hoje uma idéia a abater. O Socrates já idealizou: tudo acaba com eles e a partir daí tem o caminho aberto para tornar o PS num partido completamente identificado com a direita fascizoide e ele o seu grande salvador e senhor apoiado pelo sempre seguidor de Salazar - Acabado Silva - que afinal nem está tão acabado como em tempos se pensou.
Amigos, senão nos pomos a pau a ditadura volta e o salazar ou Socratazar vai dominar.
Na política ninguém morre ... são abatidos.
A minh teoria é a de que soares foi abatido pela pela sua ânsia de protagonismo e pelo infantil desejo de combater u odiado de estimação. Combateu até ao fim, mas infelizmente ficarão na memória de todos as tristes figuras da campanha. Soares sabe de muito, mas não sabe de si ...
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