Bares de Alterne A manilha
Hoje acordei de bruços, e cheio de iniciativa.
Estando como sempre solidário com a Blimunda, venho inaugurar aqui outra rubrica dedicada aos estabelecimentos comercias da nossa terra.
Para esta primeira série escolhi essas instituições de recreio e cultura que alegram a vida nocturna da nossa cidade e que são os bares de alterne.
Como não podia deixar de ser vou falar-vos nesse ícone da Noite Barreirense: A MANILHA.
-----------------------------------------------------------------------------------------------
A primeira vez que fui à Manilha fui lá por engano.
Na altura, devia ter à volta de dezoito ou dezanove anos. Para todo o lado que ia carregava às costas o saco da guitarra.
Na verdade nunca toquei nada que se visse (ao contrário do que dizem os críticos que me acusam de tocar tudo sempre com os mesmos dois acordes) mas andava sempre com a puta da viola às costas.
Para engatar gajas diziam que dava um sainete do caraças trazer uma guitarra, também nunca percebi porque é que diziam isso, eu cá só tive foi desilusões na minha vida amorosa até ter tropeçado na minha actual companheira.
Outra vantagem de carregar uma viola às costas é que nos deixam sempre entrar em tudo quanto é bares. Os energúmenos que são porteiros têm, vá-se lá saber porquê uma restia de respeito pelos gajos que lhes dão musica.
Bem voltando à historia, pois foi na época em que eu me esforçava para ser o verdadeiro Bob Dylan do Alto-Seixalinho que pela primeira vez entrei na Manilha.Entrei porque o espaço onde é hoje a Manilha foi um bar de música ao vivo.
Fui ao bar para me encontrar com um dos meus ídolos na altura.
Era um gajo chamado Jaiminho que nos seus trinta e muitos continuava a alimentar a cirrose a as ex-mulheres a tocar em bares. O Jaiminho era para mim uma referencia porque alem de ter paciência para me ensinar acordes, às vezes, quando estava mais bêbado do que o costume e os bares mais vazios do que era habito convidava-me para acompanha-lo a tocar.
Foi pois à procura do Jaiminho que entrei na Manilha pela primeira vez.
Assim que vi as luzes e as gajas semi-vestidas percebi que ali a musica era outra.
Felizmente o barman continuava o mesmo. Serviu-me uma imperial à borla e apresentou-me ao gerente que me explicou a filosofia da casa:
-- Aqui em baixo as raparigas bebem e convivem com os clientes. A pista abre agora à meia-noite. O espectáculo de strip é ás duas e meia e depois há outro ás 4. Cá em baixo é assim. Lá em cima nos reservados os clientes sobem com as raparigas e pedem uma garrafa de champanhe ou de whisky e depois é o que se quiser. Isto é, o que as raparigas fazem com os clientes é que eu não sei, isso é lá com elas, o que se passa lá em cima é assim a modos que mais reservado.
Elucidativo.
Esta conversa foi há uns catorze ou quinze anos.
Depois disso devo ter voltado à Manilha mais umas duas ou três vezes. Mas sempre me fui ficando pelo bar.
Só há uns sete ou oito anos atrás é que tive prestes a saber o que é que as raparigas faziam com os clientes nos reservados.
Foi ainda durante a Expo-98
Andava de bar em bar para dar a conhecer o Barreiro by night a dois amigos franceses.
Era verão e as ruas do Barreiro estavam cheias, na altura havia uma esplanada na praia do bico da passadeira a que todos chamávamos a Barraca da Praia. Foi la que encontrei um velho conhecido, o Zé Chora.
Mecânico de profissão, abriu uma oficina com o cunhado. O negócio parece que até não corria mal nos seus cinquentas e tais andava a recuperar o tempo perdido. Estava satisfeitíssimo da vida a desfrutar da companhia de pessoal mais novo. Como tinha estado emigrado em França no inicio dos anos 70 aproveitou para praticar o seu francês de bidon ville.
Foi o Zé Chora que nos arrastou para a Manilha depois da Barraca ter deixado de servir bebidas. Já passava um pouco das três da manhã.
Claro que eu não queria ir e entrei contrariado como aqueles que me conhecem já devem adivinhar.
O Zé Chora estava empenhado em impressionar-nos e em exibir riqueza.
Na Manilha falava alto em frances e metia-se com as mulheres.
Não se contentou em ver o strip. Insistiu em levar-nos para o reservado com as amigas.
Gritava e gesticulava para que todos ouvissem:
-- Ce ceuár cê muá qui peie!!
Palmadas nas nossas costas e abraços e beijinhos nas meninas.
-- Agora vamos todos subir até ao reservado para convivermos mais à vontadinha.
O gerente que continuava azeiteiro informou que era preciso encomendar uma garrafa de whisky ou de champagne por cada rapariga que subisse.
-- Pois venham duas de scotch?s para nós e duas de champagnes para estas duas beldades e mais aquelas duas mulas que ali estão ao fundo.
Quase obrigado subi ao reservado na companhia dos dois franceses.
Connosco subiram também quatro raparigas. Duas brasileiras, e as duas russas que se tinham atracado ao Chora assim que o gajo entrou.
O clima começou logo a aquecer nos sofazinhos de veludo do primeiro reservado à esquerda. O nosso anfitrião despiu a camisa exibindo o fio de ouro e a tatuagem de amor de mãe no mapa de Angola.
As russas sentaram-se ao colo do Zé Chora.
As brasileiras foram seguindo as indicações do Chora iam dançando, despindo-se duplamente e enfiando a língua na boca uma da outra.
Eu estava tão chocado com a intimidade das duas moças que nem percebi como é que a coisa aconteceu.
Assim de repente, no reservado entrou um tipo com cara de fuinha, pequenito e complemente sóbrio.
-- Então é aqui que andas a gastar o nosso dinheiro da oficina??? meu cabrão de merda, meu filho da puta. Eu devia era fuder-te os cornos todos já me paneleiro da merda. A minha irmã lá em casa com as miúdas e tu aqui no putedo. Seu cabrão ordinário do caralho. Meu pulha de merda.
As raparigas desapareceram como por magia.
Quando o Zé Chora se levantou para vestir a camisa o cunhado deu-lhe logo duas estaladas. Sim estaladas, nem murros foram.
Os seguranças chegaram a tempo de evitar que o Chora levasse mais do cunhado que devia pesar metade do que ele.
Nós saímos também.
Detesto discussões familiares e mortifica-me a alma ouvir caralhadas.
Só no carro é que reparei que envolvida no meu casaco tinha vindo uma das garrafas de whisky ainda por abrir.
-- Olha , o que é que isto faz aqui??
--Porreiro. Até faz jeito não vá dar-nos a sede!!!
A noite já tinha sido agitada por isso decidimo-nos por um sitio mais calmo. Passamos pela bomba de gasolina ao pé do campo do barreirense. Compramos gelo, roubamos três copinhos de plástico da máquina do café e fomos para a avenida da praia.
Embalados pelo wiskie da Manilha conversamos sobre a força do movimento sindical francês até que o sol que nasceu por cima dos silos de seriais da quimiparque, nos empurrou para casa.
A garrafa vazia ainda andou dentro do carro umas semanas.
Sempre que olhava para debaixo do banco do pendura em vez de ver as brasileiras na marmelada, lembrava-me do Zé Chora a levar nas trombas.
È por causa do Zé Chora e da garrafa de whisky que não voltei à manilha, mas que é uma grande instituição da noite barreirense, lá nisso não há duvidas.